Tosse Crônica Inexplicada ou Refratária em Adultos – Artigo de Revisão do The New England Journal of Medicine, publicado em Março/2025
- Pâmella Marletti
- 10 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de mai.
Leia o resumo sobre a última publicação de Tosse Crônica Inexplicada ou Refratária em Adultos:
1. Definições Operacionais
Segundo o painel internacional de especialistas (CHEST 2016), tosse crônica é aquela com duração >8 semanas. Três subtipos são reconhecidos:
Tosse crônica inexplicada: investigação completa e sem identificação de causa.
Tosse crônica refratária: há causa reconhecida, mas a tosse persiste apesar do tratamento.
Tosse crônica inexplicada refratária: sem causa aparente e refratária a terapia empírica.
O limiar de 8 semanas tem base na resolução esperada da tosse pós-infecciosa e nos riscos de complicações físicas e psicossociais da tosse prolongada.
2. Epidemiologia
Prevalência de tosse crônica: 2% a 5% na população adulta, mais comum em mulheres.
Estimativas infladas sugerem até 60% de casos sem causa, mas revisão sistemática rigorosa encontrou apenas 10,5% realmente inexplicados ou refratários (382/3636 pacientes).
Fatores de maior impacto em mulheres:
Maior sensibilidade a capsaicina/ácido cítrico.
Complicações urinárias induzidas por tosse.
Maior prejuízo na qualidade de vida comparado aos homens.
3. Fisiologia e Neuroanatomia da Tosse
O arco reflexo da tosse é mediado por fibras vagais sensoriais que se originam de:
Gânglio nodoso (fibras Aδ): mecanorreceptores, sensíveis a estímulos ácidos e mecânicos.
Gânglio jugular (fibras C): nociceptores, ativados por dano tecidual, inflamação e irritantes ambientais.
As terminações projetam-se para:
Tronco cerebral: núcleo do trato solitário e núcleo paratrigeminal.
Áreas corticais e subcorticais: modulação voluntária e sensibilidade central (via fMRI).
Figura 1 do artigo:

Mostra detalhadamente a cascata de sinalização sensorial da tosse e os canais envolvidos (TRPV1, TRPA1, P2X3, ASICs etc.).
4. Fisiopatologia da Tosse Hipersensível
A hipótese predominante para tosse crônica inexplicada é a hipersensibilidade do reflexo da tosse, com limiar neural reduzido e modulação anormal central.
Estudos com RMNf mostram:
Redução da atividade no tronco cerebral (área tradicional do reflexo).
Aumento da atividade no mesencéfalo (região periaquedutal), sugerindo amplificação central da sinalização aferente.
5. Avaliação Diagnóstica Crítica
A maioria dos casos de tosse dita inexplicada deve-se a:
Avaliação incompleta.
Uso de diretrizes desatualizadas.
Adesão insatisfatória ao tratamento (paciente ou médico).
Ignorar causas múltiplas e simultâneas (asma, DRGE, UACS).
Tabela 1 (resumida):
Causa | Armadilhas diagnósticas |
UACS | Rinossinusites sem sintomas clássicos; anti-histamínicos ineficazes sem ação anticolinérgica |
DRGE | Refluxo “silencioso”; necessidade de 3-6 meses de tratamento intensivo; refluxo não ácido; confundido com alterações inflamatórias laríngeas por tosse |
Asma | Forma variante tosse; provocação positiva sem resposta terapêutica não confirma diagnóstico |
Bronquite eosinofílica | FENO e citologia de escarro necessários |
6. Falhas Comuns no Manejo
Presunção de causa psicogênica pela presença de depressão/ansiedade (na verdade, frequentemente são consequências da tosse).
Diagnóstico incorreto de "tic" ou "tosse somática" por padrões de apresentação falhos (ex.: ausência de tosse noturna não exclui causas orgânicas).
Falha em reavaliar pacientes após 4-6 semanas para ajuste de conduta.
7. Terapias com Evidência para Casos Confirmados
a. Fonoaudiologia Multimodal
Dois ensaios clínicos randomizados mostram que fonoaudiologia estruturada (educação, supressão da tosse, reabilitação respiratória) melhora sintomas e qualidade de vida
b. Neuromoduladores Centrais
Evidência para:
Gabapentina
Amitriptilina
Pregabalina + fonoaudiologia (sinergismo demonstrado)
Morfina, baclofeno, nalbufina
Obs: gabapentinoides aumentam risco de exacerbações graves em pacientes com DPOC .
c. Bloqueio do nervo laríngeo superior
Estudo randomizado (n=27) mostrou benefício de curto prazo, mas sem comparação com fonoaudiologia prévia .
d. Tratamento de comorbidades emocionais
Depressão e ansiedade devem ser abordadas como complicações da tosse, não causas primárias.
8. Fármacos Inovadores: Antagonistas P2X3/P2X2/3
Fármaco | Situação atual | Comentário |
Gefapixant | Não aprovado pela FDA | Marginalmente superior ao placebo, disgeusia comum |
Camlipixant | Em estudo | Alta seletividade P2X3 |
Eliapixant | Suspenso | Risco de hepatotoxicidade |
Filapixant, Sivopixant | Em ensaios clínicos | Promissores, mas ainda não aprovados |
Quercetina | Pré-clínico | Inibidor P2X3 sem alteração do paladar em modelos animais |
9. Conclusão:
A maioria dos casos rotulados como "inexplicados" decorre de avaliação ou tratamento inadequados.
A tosse verdadeiramente refratária parece estar relacionada à hipersensibilidade neuropática central.
Embora ainda não haja terapia farmacológica ideal, há fortes evidências para fonoaudiologia e neuromodulação.
A pesquisa com antagonistas purinérgicos (P2X3) continua promissora, apesar de limitações de eficácia e tolerabilidade.
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Referências:
Irwin RS, Madison JM. Unexplained or Refractory Chronic Cough in Adults. N Engl J Med. 2025;392(12):1203-1214. DOI: 10.1056/NEJMra2309906
Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMra2309906
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