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Tosse Crônica Inexplicada ou Refratária em Adultos – Artigo de Revisão do The New England Journal of Medicine, publicado em Março/2025

Atualizado: 5 de mai.

Leia o resumo sobre a última publicação de Tosse Crônica Inexplicada ou Refratária em Adultos:


1. Definições Operacionais

Segundo o painel internacional de especialistas (CHEST 2016), tosse crônica é aquela com duração >8 semanas. Três subtipos são reconhecidos:

  • Tosse crônica inexplicada: investigação completa e sem identificação de causa.

  • Tosse crônica refratária: há causa reconhecida, mas a tosse persiste apesar do tratamento.

  • Tosse crônica inexplicada refratária: sem causa aparente e refratária a terapia empírica.

O limiar de 8 semanas tem base na resolução esperada da tosse pós-infecciosa e nos riscos de complicações físicas e psicossociais da tosse prolongada.


2. Epidemiologia

  • Prevalência de tosse crônica: 2% a 5% na população adulta, mais comum em mulheres.

  • Estimativas infladas sugerem até 60% de casos sem causa, mas revisão sistemática rigorosa encontrou apenas 10,5% realmente inexplicados ou refratários (382/3636 pacientes)​.

Fatores de maior impacto em mulheres:

  • Maior sensibilidade a capsaicina/ácido cítrico.

  • Complicações urinárias induzidas por tosse.

  • Maior prejuízo na qualidade de vida comparado aos homens​.


3. Fisiologia e Neuroanatomia da Tosse

O arco reflexo da tosse é mediado por fibras vagais sensoriais que se originam de:

  • Gânglio nodoso (fibras Aδ): mecanorreceptores, sensíveis a estímulos ácidos e mecânicos.

  • Gânglio jugular (fibras C): nociceptores, ativados por dano tecidual, inflamação e irritantes ambientais.

As terminações projetam-se para:

  • Tronco cerebral: núcleo do trato solitário e núcleo paratrigeminal.

  • Áreas corticais e subcorticais: modulação voluntária e sensibilidade central (via fMRI).

Figura 1 do artigo:



Cascata de sinalização sensorial da tosse e os canais envolvidos (TRPV1, TRPA1, P2X3, ASICs)


Mostra detalhadamente a cascata de sinalização sensorial da tosse e os canais envolvidos (TRPV1, TRPA1, P2X3, ASICs etc.).


4. Fisiopatologia da Tosse Hipersensível

A hipótese predominante para tosse crônica inexplicada é a hipersensibilidade do reflexo da tosse, com limiar neural reduzido e modulação anormal central.

Estudos com RMNf mostram:

  • Redução da atividade no tronco cerebral (área tradicional do reflexo).

  • Aumento da atividade no mesencéfalo (região periaquedutal), sugerindo amplificação central da sinalização aferente​.


5. Avaliação Diagnóstica Crítica

A maioria dos casos de tosse dita inexplicada deve-se a:

  • Avaliação incompleta.

  • Uso de diretrizes desatualizadas.

  • Adesão insatisfatória ao tratamento (paciente ou médico).

  • Ignorar causas múltiplas e simultâneas (asma, DRGE, UACS).


Tabela 1 (resumida):

Causa

Armadilhas diagnósticas

UACS

Rinossinusites sem sintomas clássicos; anti-histamínicos ineficazes sem ação anticolinérgica

DRGE

Refluxo “silencioso”; necessidade de 3-6 meses de tratamento intensivo; refluxo não ácido; confundido com alterações inflamatórias laríngeas por tosse

Asma

Forma variante tosse; provocação positiva sem resposta terapêutica não confirma diagnóstico

Bronquite eosinofílica

FENO e citologia de escarro necessários

6. Falhas Comuns no Manejo

  • Presunção de causa psicogênica pela presença de depressão/ansiedade (na verdade, frequentemente são consequências da tosse).

  • Diagnóstico incorreto de "tic" ou "tosse somática" por padrões de apresentação falhos (ex.: ausência de tosse noturna não exclui causas orgânicas).

  • Falha em reavaliar pacientes após 4-6 semanas para ajuste de conduta.


7. Terapias com Evidência para Casos Confirmados

a. Fonoaudiologia Multimodal

Dois ensaios clínicos randomizados mostram que fonoaudiologia estruturada (educação, supressão da tosse, reabilitação respiratória) melhora sintomas e qualidade de vida


b. Neuromoduladores Centrais

Evidência para:

  • Gabapentina

  • Amitriptilina

  • Pregabalina + fonoaudiologia (sinergismo demonstrado)

  • Morfina, baclofeno, nalbufina

Obs: gabapentinoides aumentam risco de exacerbações graves em pacientes com DPOC .


c. Bloqueio do nervo laríngeo superior

Estudo randomizado (n=27) mostrou benefício de curto prazo, mas sem comparação com fonoaudiologia prévia .


d. Tratamento de comorbidades emocionais

Depressão e ansiedade devem ser abordadas como complicações da tosse, não causas primárias.


8. Fármacos Inovadores: Antagonistas P2X3/P2X2/3

Fármaco

Situação atual

Comentário

Gefapixant

Não aprovado pela FDA

Marginalmente superior ao placebo, disgeusia comum

Camlipixant

Em estudo

Alta seletividade P2X3

Eliapixant

Suspenso

Risco de hepatotoxicidade

Filapixant, Sivopixant

Em ensaios clínicos

Promissores, mas ainda não aprovados

Quercetina

Pré-clínico

Inibidor P2X3 sem alteração do paladar em modelos animais

9. Conclusão:

  • A maioria dos casos rotulados como "inexplicados" decorre de avaliação ou tratamento inadequados.

  • A tosse verdadeiramente refratária parece estar relacionada à hipersensibilidade neuropática central.

  • Embora ainda não haja terapia farmacológica ideal, há fortes evidências para fonoaudiologia e neuromodulação.

  • A pesquisa com antagonistas purinérgicos (P2X3) continua promissora, apesar de limitações de eficácia e tolerabilidade.


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Referências:

Irwin RS, Madison JM. Unexplained or Refractory Chronic Cough in Adults. N Engl J Med. 2025;392(12):1203-1214. DOI: 10.1056/NEJMra2309906

 
 
 

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